quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Bowie resumido

Bowie era um britânico que tentou ficar famoso jovem. Teve um monte de banda ruim, e lançou um primeiro álbum solo horroroso. Daí em 1969 ele lançou um legal que se chamava Space Oddity e tinha essa música que fala sobre o Major Tom, um astronauta que se lascou.




Daí depois ele fez um outro álbum chamado The Man Who Sold The World que tinha guitarras distorcidas que parecia Led Zeppelin e ele se vestia de mulher na capa. E tinha essa cover de Nirvana.




Daí ele fez outro que se chamava Hunky Dory e tinha um capa bizarra onde ele também se vestia de mulher. E tinha essa música.



Daí em 72 ele lançou um álbum tão bom, mas tão bom, que mesmo se ele morresse no meio daquela turnê, de alguma forma nós estaríamos falando dele até hoje. Ele criou seu primeiro personagem de palco, o Ziggy Stardust. Esse cara era um E.T. que sabia que a Terra seria destruída em 5 anos. E dai ele decide se tornar um rockstar pra avisar a gurizada. E ele consegue, com uma banda chamada The Spiders From Mars (As Aranhas de Marte). Mas no fim das contas, os fãs matam o cara.


Nessa turnê, a banda de apoio de Bowie se chamava The Spiders from Mars. No palco, Bowie era Ziggy. E fora do palco, também. Ele disse: "Fora do palco eu sou um robô. Lá em cima, eu sou o homem das estrelas. Por isso que eu não me visto mais como David Bowie. Agora eu sou o Ziggy, em tempo integral."

E tinha esse cover de Nenhum de Nós.



*e a melhor intro de bateria da história, que era a primeira música do álbum, a propósito



E depois teve Aladin Sane, onde ele continuou sendo Ziggy, mas eu não gosto desse álbum. Depois ele lançou um álbum bosta e um mais ou menos bosta que tinha uma música legal.



Depois veio Young Americans, que foi um álbum soul. Nunca ouvi.

Daí veio Station to Station. E aí foi a pior fase da vida pessoal do cara, onde ele vivia chapado de pó, e encarnou o White Thin Duke (Duque Magro e Branco) que era um cara que odiava a humanidade, era fascista e usava várias droga. Nessa fase ele apoiou o nazismo em entrevistas e foi preso por uns minutos na fronteira da Polônia por portar bagulhagem nazista.

Muita gente acha esse o melhor álbum do homem, mas eu não gosto por causa da história por trás.

Daí o produtor dele percebeu que se ele deixasse o cara do jeito que tava ele ia se entupir de narcótico e a carreira dele ia pro nhecas shucovare, ele levou o Bowie pra Berlim. Lá ele produziu três álbums, que são chamados de "trilogia berlinense".

O primeiro é Low (1977). Esse é o mais desmistificado do Bowie, com várias experimentação marota, mas sem fugir muito do pop. A música mais legal é Sound and Vision.



No mesmo ano saiu "Heroes", Com as aspas mesmo. Baita álbum, com muita experimentação e um hit.

Daí o último foi Lodger, que eu nunca ouvi direito.

Daí teve Scary Monsters (And Super Creeps), que eu vejo como o último álbum gurizão do Bowie. Era 1980, ele tinha 33 anos e o álbum é muito, muito bom. Teve "Ashes to Ashes", com o videoclipe mais caro da época, onde Bowie revisita Major Tom, personagem da música Space Oddity, que agora virou um drogado.




Em 83 ele lançou Let's Dance, um álbum ridículo. Ele encarnava o espírito dos anos 80. Olha o cabelo do home.



*e essa música é a melhor dessa fase, com ele dizendo "não acredito no amor moderno"

Tonight foi o próximo álbum e é ruim. Depois teve outro que eu nunca ouvi, mas todo mundo fala mal. Mas depois de seis anos sem lançar nada ele saiu com um álbum eletrônico, em 93. Coisa linda.

Depois teve um outro álbum meio eletrônico, e um álbum conceitual chamado 1. Outside (Do lado de fora). Ele continuava eletrônico e meio desmistificado.


Em 97 ele lançou Earthling, com essa música.

Daí ele lançou mais dois álbums que não ouvi, e se aquietou por 10 anos. Daí voltou em 2013, com um álbum regular. E agora, três dias antes de morrer, saiu com um negócio muito, mas muito desmistificado. Te liga na letra dessa música.



Look up here, I'm in heaven
Olha aqui em cima, eu estou no céu
I've got scars that can't be seen
Tenho cicatrizes que não dá pra ver
I've got drama, can't be stolen
Consegui drama, ele (ou eu,, essa parte é ambígua) não pode ser roubado
Everybody knows me now
Todo mundo me conhece agora (até o Jozieira)

Look up here, man, I'm in danger
Olha aqui pra cima, cara, eu estou em perigo
I've got nothing left to lose
Não tenho nada a perder
I'm so high it makes my brain whirl
Estou tão alto (ou tão chapado) que faz meu cérebro girar
Dropped my cell phone down below
E derrubei meu telefone lá em cima
Ain't that just like me?
Isso não é parecido comigo?

(...)

This way or no way
desse jeito ou de jeito nenhum
You know, I'll be free
Você sabe, eu serei livre
Just like that bluebird
Exatamente como aquele pássaro azul
Now ain't that just like me?
Agora, isso não é parecido comigo
Oh I'll be free
Oh, eu serei livre
Just like that bluebird
Exatamente como aquele pássaro azul

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Nhecas Shucovare

1. Reynols

Uma banda cujo baterista e líder tem síndrome de Down não pode ser menosprezada. Eles desconstroem a música, e carregam uma imprevisibilidade única, que casa muito com a filosofia d'O Movimento.





2. Arcade Fire

Arcade Fire é praticamente a mesma imprevisibilidade do Reynols, sem a síndrome de Down e com uma boa dose de energia. Gostando ou não da música dos caras, não dá pra negar que os caras destroem no palco. Ou no elevador. Ou no meio da galera.


esse vídeo é do início da banda. eles eram muito mais apaixonados nessa época
letra dessa múzga

se a neve 
enterrar minha
minha vizinhança

E se 
meus pais estiverem chorando,
então vou cavar um túnel 
da minha janela até a sua
sim, um túnel, da minha janela até a sua

você 
escalou a chaminé
e me encontrou no centro
no centro da cidade
e, como não tinha ninguém em volta,
deixamos nosso cabelo crescer 
e esquecemos tudo que costumávamos saber
então nossa pele fica mais grossa 
por viver aqui fora no frio

você muda toda o chumbo
dormindo em minha cabeça
conforme o dia escurece, 
ouço você cantar um hino dourado

então, 
tentamos dar nome a nossos bebês
mas esquecemos todos os nomes que,
os nomes que costumávamos conhecer

mas, às vezes,
lembramo-nos de nossos quartos 
e os quartos dos nossos pais 
e os quartos de nossos amigos
então pensamos em nossos pais...
bem, que diabos aconteceu a eles?

você muda todo o chumbo
dormindo em minha cabeça
conforme o dia escurece, 
ouço você cantar um hino dourado
é a musica que venho tentando cantar

purifique as cores, purifique minha mente
purifique as cores, purifique minha mente
e espalhe as cinzas das cores por esse meu coração


*a única banda que tem um integrante que toca revista


3. David Bowie

Muitos veneram esse cara por uma caçambada de motivos. Eu acho que ele é em si mesmo uma metáfora da luta contra a decadência. E a morte dele chega pra mostrar que não dá pra vencer essa. Bowie se reinventava a cada álbum, não por capricho artístico ou estético, mas pra continuar no topo. Bowie incorporava em si a moda atual e a seguinte, que seria seja o que ele decidisse.

E o último álbum do maluco é sem dúvida o mais sincero.

Só não gosto mais dele porque ele é muito bonito.


4. Bob Dylan
Ele foi um cara do folk que pegou numa guitarra e foi chamado de Judas pelos seus parça. Ele lançou as raízes do rap, e é o músico mais prolífico e filosófico da era moderna.


MC Dylan



5. A Tribe Called Quest
A próposito, rap é da hora. Mas não existe mais rap. O que existe é hip-hop, uma bobagem super-produzida com rimas gastas falando sobre mulheres, carros e dinheiro. Mataram a mágica do ritmo e da poesia.

Mas A Tribe Called Quest, que além de ter um baita nome (em inglês se pronuncia "A Trwibe Cóld Cuést) faz um rap de primeira: letras limpas, tanto moral quanto musicalmente, e o mais doido, letras profundas. E cara ELES MISTURAM JAZZ COM RAP. Coisa de Deus.




6. Júpiter Apple (e o seu parça, Júpiter Maçã)
Fui conseguir gostar mesmo do cara depois que ele morreu. Principalmente aquele álbum "A Sétima Efervescência". Principalmente a psicodelia de "As Tortas e as Cucas".

7. Os Mulheres Negras
Os caras se conheceram num curso de percussão africana. E o resultado foi isso:




45. Vitor Ramil
Habitante da mítica cidade de Satolep, o cara é bom bagay.




9717. Radiohead
Música triste e enlouquecida, com uma pegada eletrônica. O cara é autista e tem a peleca do olho caída. E ele não é bonito.



775. Mogwai
Música instrumental triste. Um Radiohead mudo.



7765. Luzmila Carpio
Uma índia boliviana cantando em quíchua. Sem mais.


00987. Spookey Ruben
Um cara doidasso dos anos 90 que depois se aquietou (tipo o Arnaldo). Mas antes de ficar normal ele fez os dois melhores clipes da humanidade. E uma música que tem um refrão assim: "Bem vindo a casa da comida; abra uma caixa de bolo de chocolate".






9999. The White Stripes

eles tinham um proposta desmistificadíssima: fazer rock de estádio só com guitarra e bateria. A baterista tocava muito mal e o guitarrista era nhecos shucovares. O resultado é isso:

76. Arthur Brown

O cara se pintava como um cara do black metal antes do black metal existir e usava um capacete com fogo.


34. Baboon Torture Division
A divisão de tortura de babuínos é isso aí:

778. Thomas Truax
Um cara doidasso que tem uma bateria manera:




927. Um nome em japonês
Um grupo japonês que se veste de lagosta


76. Flaming Dragons of Middle-Earth
Lembra daquela história de que o pessoal tolera gente cadeirante? Então, o líder dessa banda se chama Danny Cruz, um cara confinado a uma cadeira de rodas, mas não aos limites da realidade e da música. Eu queria dar um abraço nele e tocar um som desmistificado ao lado dessa lenda.

88888. Captain Beefheart and his Magic Band
Uma banda master séria, de um músico que tocava com o Frank Zappa, mas se dissociou do movimento e se tornou o Capitão Coração-de-Bife e sua Banda Mágica que lançou um álbum chamado "Réplica do Coração de Truta". E é isso:






76. Shibusashirazu Orchestra
Jazz livre do Japão com dançarinos seminus e doidura ilimitada.

76. Stalaggh / Gulaggh
São dois projetos diferentes com basicamente a mesma temática. De acordo com a banda, eles reuniram pessoas internadas em instituições de saúde mental e botaram os caras pra gritar numa sala. E o resultado é isso:




76. The Shaggs
As pioneiras do Movimento. Uma banda dos anos 60 que evoluiu isolada no interior americano, em uma época em que não existia internet.

Frank Zappa, que também era desmistificado, classificou essa banda como a terceira melhor do mundo.






76. Frank Zappa

Bota lá no 1:40.


76. Sebkha-Chott
Uma banda francesa que é praticamente um Slipknot desmistificado shuco nhecovares.





67. Goemon
Banda brasileira dum descendente de japonês doido. Compunha letras melhores que Renato Russo.


76. Tribo Massahi
Jazz psicodélico made in Brazil com um vocalista meio Daminhão

76. Daler Mehndi
O quarto melhor clipe da humanidade (o terceiro é o do Baboon Torture Division)




76. Y-no
Pagode japonês em português que precisa de legendas.


Las Tetas del Hombre Muerto
Outra banda argentina que toca um rock lo-fi desmistificado (low de baixa, fi de definição).





Urpite
E Buenos Aires ataca novamente. Escuta a primeira faixa desse álbum e veja ecos da percussão de "Preciso" com vocais estilo Reynols.


76. Bônus: They're taking the hobbits to Isengard
"Estão levando os hobbits para Isengard". Esse é o excerto de uma cena de O Senhor dos ANéis que se transformou numa música fantástica. A melhor parte é aos 8.09.40



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)

Minha última tentativa de fazer um cover de Arcade Fire. Não deu muito certo.


Misoginia

Uma canção épica, visceral e tântrica, que explora as profundezas do intelecto humano, especialmente quando chapado de crack.




domingo, 6 de outubro de 2013

Over


it's quite easy to say
you're happy
when your face doesn't look like a smashed pie
and your body is completely off the human standards

its quite easy to say
you dont care to the standards
when you're just a little fattie
and you have friends that care about you

its quite easy to say
dont kill yourself
when you're not dead already

if i could draw a map of my feelings
it would have a place called "self-esteem waste"

but wait, i can draw it
at least i still have two arms and fingers and all

it could be worse

and then they say
dont cry because its over
smile because it happened

and i say
baila tu cuerpo alegria macarena

dala tu cuerpo shalahuala coisa buena




quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Suícidio Subaquático



Como um cetáceo entorpecido
Me curvo e me quebro
Como uma pedra rolante
Ando errante por esse labirinto

Me cansei de ser um prisioneiro da tristeza
Mas saiba que minha alegria é destruir sua beleza

Ainda que as estrelas caiam
Aqui embaixo tudo é sempre igual
E eu sei que um dia todas as faces que por aqui passaram
Voltarão e cobrarão seus tributos

Me cansei de ser um prisioneiro da beleza
Mas saiba que minha alegria
Se diluiu na tristeza

Qual cetáceo entorpecido
Não sinto meu sangue se esvaindo na água fria
Esculpi teu nome em meus dedos
Enquanto os tubarões rejeitavam minha carne

Me cansei de ser prisioneiro da tristeza
Mas saiba que minha alegria
Encontra-se submersa sob esse mar

Ainda que as estrelas caiam
Eu sei que um dia eu lhe encontrarei de novo
E qual cetáceo entorpecido
Você também dormirá nesse mar gelado

Mas nessa noite 
Você não assombrará meus sonhos
Porque nessa noite 
Eu não subirei pra respirar.

domingo, 25 de agosto de 2013

O Elemento Tizora



Na última quarta-feira eu decidi assistir Círculo de Fogo, o novo filme do Guillermo del Toro. 

A título de informação, ele é um dos meus diretores preferidos.

Apesar de ser inverno, esse dia estava particularmente quente. Nesse dia tudo, ou quase tudo, deu errado.

Eu passei a manhã toda me perguntando se ia ou não assistir o tal do filme. Decidi que sim e depois decidi que não, e assim foi umas quantas vezes.

Talvez a causa de grande parte dos meus problemas seja o meu costume de pensar demais. 

Fui amaldiçoado com senso crítico e raciocínio acima da média. Minha cabeça é maior que a da maioria das pessoas, inclusive. Esse é o meu calvário.

O que importa é que no final eu decidi ir.

Caminhei lentamente até a sala de cinema mais próxima da minha casa, que fica no terceiro andar de um shopping. Eu estava adiantado. 

Isso geralmente é um bom sinal.

Cheguei lá 13:20, mais ou menos. A sessão era as 15:15. Nunca mais vou me esquecer disso.

Essas duas horas pareceram vinte. Eu não havia trazido nada pra ler, não havia nada de interessante pra olhar, eu não tinha ninguém pra conversar, e estava cercado por imbecis.

Você não consegue o significado da palavra “imbecil” até entrar naquele shopping. Adolescentes feios de nascença, outros feios por opção. Outros perturbadoramente bonitos. Todos imbecis.

Sozinho, no meio de um milhão, como diz Jack White.

Faltavam uns dez minutos pras 15 horas e eu subi até o terceiro andar e a funcionária do cinema, uma jovem de no máximo 20 anos consideravelmente bonita, disse que a sala estava fechada e só abriria uns dez minutos antes da sessão começar.

Eu li no ingresso “sala 4”.

Virei as costas e desci no segundo andar, comprei um McFlurry de Mini Bis, que me custou dolorosos R$ 6,50.

Voltei lá em cima as 15:05 e um outro funcionário, dessa vez um cara de uns 20 e poucos anos com o rosto cheio de cicatrizes de acne adolescente, me disse que a sala já estava aberta.

“É sala 4, quarta porta à direita”.

Entrando na sala fiquei imensamente feliz ao ver que ela estava quase vazia. Havia um casal de namorados sentado em uma das fileiras do alto, e mais ninguém.

Ao me aproximar do casal percebi como eles eram jovens. Não mais que 15 anos. Quase crianças. Isso me deixou meio chocado, e eu pensei na possibilidade de eles serem apenas amigos, ou então primos ou irmãos. Então eu pensei na possibilidade deles serem primos ou irmãos e namorados, mas isso era ainda mais estranho e eu tentei pensar em outra coisa.

Uma música saía dos auto-falantes, e eu só me lembro que ela dizia “só o silêncio” umas quantas vezes e então falava sobre concreto e cimento. 

Então uma voz disse “você está ouvindo a rádio Cinépolis Vigilante”.

Eu queria ver robôs gigantes socando monstros, não ouvir a rádio Cinépolis Vigilante.

Eram 15:20, meu McFlurry estava pela metade e a sessão não havia começado.

Então, entrou mais gente na sala. 

Era o tipo de pessoa que eu chamo de “gurizada medonha”; meninas gordas e meninos com cara de bandido, bonés de aba reta e camisetas de super heróis que eles não conhecem direito. 

E aquilo tudo me incomodou muito. Eles eram ruidosos demais.

E então entrou um pai com uma criança. E eu me perguntei que tipo de imbecil leva uma criança pequena pra assistir um filme legendado. 

E então entrou mais gurizada medonha. Quatro rapazes adolescentes, com bonés de aba reta e sacolas nas mãos. 

Eles sentaram do meu lado direito.

Das sacolas tiraram embalagens de salgadinho, pacotes de bolacha recheada e garrafas de refrigerante.

Eles eram mais ruidosos que todos os outros juntos.

Aquilo me deixou extremamente irritado e especialmente assustado. Aquela sessão tinha tudo pra ser um inferno.

E entrou mais gurizada medonha e mais, e mais, e mais. Meninas gordas rindo alto, meninas magras rindo alto, caras que falavam alto e riam de tudo.

Eu estava com medo. Mas acima de tudo, eu estava confuso. 

Porque diabos toda aquela gente resolveu assistir um filme legendado sobre robôs gigantes cheio de referências a animes e tokusatsus enquanto estavam sendo exibidos, nas salas ao lado, filmes mais condizentes com a aparente condição intelectual daquele povo?

Mas eu não tive muito tempo pra pensar porque as luzes abrandaram e a tela acendeu. Começaram os trailers.

Primeiro O Hobbit, depois Thor. Dois filmes com elfos, eu pensei. 

Ao meu redor, todos falavam como se estivesse em casa assistindo o Jornal Nacional.

Os elfos podiam ser um presságio. Um aviso. Ou não.

Depois veio o trailer de Instrumentos Mortais, um filme juvenil que parece ser muito ruim.

Depois Ender’s Game, com o Asa Butterfield e o Ben Kingsley. O tipo de filme que apesar de bem produzido e tal, não me chama a atenção.

Ao meu redor eu ouvia papel alumínio sendo amassado, garrafas sendo abertas, pessoas comentando tudo o que viam na tela e crianças reclamando. 

O meu celular dizia que eram 15:35.

Bem vindo ao inferno, disse minha consciência, bem baixinho.

E então as luzes se apagaram por completo e o filme começou.

Ouvi um amigo dizer que a cena inicial do filme era muito boa. E a cena que apareceu de fato era boa, umas lulas e medusas em close-up que iam se desfazendo na água. 

“Esse deve ser o Círculo de Fogo do Pacífico, é daí que vão sair os monstros”, eu pensei.

E então eu ouvi uma voz, uma voz que eu nunca vou esquecer. 

Tudo o que eu queria ouvir era uma voz em inglês ou japonês dizendo algo marcante que me lembrasse Evangelion ou Power Rangers.

Acho que mesmo depois que eu morrer essa voz vai continuar viva em algum buraco no meu cérebro e um dia ela vai conseguir escapar e vai assombrar todo mundo de noite.

A voz era em bom e velho português brasileiro. 

“Para humanos isso pode ser impossível. Mas não para mim”.

Eu praguejei alto. A voz continuou falando, alheia a minha reação.

Tudo fazia sentido agora.

“Eu sou um filho do Olimpo. Eu sou Percy Jackson”.

Eu disse mais um palavrão, do qual eu não me recordo agora.

E eu levantei da minha cadeira, passei pelas cadeiras vazias à minha esquerda e desci as escadas correndo. 

Depois que as luzes do cinema se apagam tudo fica muito escuro. Isso é muito bom, a não ser que você esteja em fuga de Percy Jackson e o Mar de Monstros e de todos os adolescentes ruidosos e sem personalidade atrás de você.

Saí da escuridão da sala e adentrei a escuridão do corredor. Eu sentia raiva. Raiva de mim mesmo por ser um imbecil.

Saí até a claridade do exterior e me vi na entrada no cinema, onde eu havia conversado com o rapaz do rosto machucado, e antes dele, com a moça meio bonita. O posto deles estava vago. 

Corri feito um louco e entrei no corredor principal com o ingresso na mão.

“Sala 4”, ele dizia.

Havia a sala 3, onde na porta figurava um cartaz meio tosco do tal Percy Jackson, e na porta da sala 4 estava o cartaz de Círculo de Fogo, com um robô gigante no meio do mar.

Idiota. Otário. Imbecil.

Eu ia entrando na sala, a certa dessa vez, quando alguém gritou.

Eu olhei pra trás e lá estava a moça meio bonita me dizendo que eu não podia entrar, tinha que ter o ingresso.

E eu disse que podia sim, eu tinha o ingresso, eu tinha entrado na sala errada, eu era um imbecil e ela era relativa e confortavelmente bonita, e isso era muito bom. 

Ela olhou pro meu ingresso e disse que era na sala 4, que eu podia entrar, que eu era uma pessoa maravilhosa, que ela sonhava comigo desde que era uma criança , que ela me amava e então ela pegou na minha mão.

Eu me desvencilhei dela e disse que não, eu tinha que assistir esse filme, quem sabe outro dia.

Ela começou a chorar, gritar e bater os punhos no rosto, tudo ao mesmo tempo.

Eu falei sim, sim, e corri pra dentro da sala.


Eu costumo dizer que o gosto de uma bebida depende do estado do copo em que você bebeu.

Aplicando isso a assistir um filme, o copo inclui o estado emocional do espectador, o ambiente em que ele se encontra e as expectativas que ele tem em relação ao filme.

Meu copo estava sujo, bagunçado e confuso.

Eu estava suado, nervoso, triste e revoltado, tudo ao mesmo tempo.

Eu ainda não sei quanto do filme eu perdi, mas acredito que tenha sido uma quantia considerável.

Só sei dizer que se você for assistir Círculo de Fogo nessa semana no Cinépolis Caxias do Sul na sessão das 15:15 ou das 18:15 lembre-se que o filme está sendo exibido na sala 4.

E mande minhas lembranças a moça meio bonita, se ela ainda estiver lá.